Revolução, em maiúsculas
Não é hipérbole, antes realidade. O triunfo de André Villas-Boas, pela contundência dos números e pelo conteúdo das propostas, é um dos momentos mais marcantes na vida do FC Porto e na história do futebol português.
Não é empreitada simples efabular uma explicação solitária para a ascensão ao trono. Há, talvez, uma conjugação de sensações e necessidades associadas a ideias bem sustentadas, compatíveis com a modernidade que o futebol agora exige.
Os Números
80,3 por cento. Um número para os compêndios e a eternidade. Mais de 21 mil almas portistas gritaram «basta», cansadas da degradação financeira, desportiva e moral que corroía as entranhas do seu Futebol Clube do Porto.
A Deposição
O presidente cessante, incapaz de ler os sinais do povo e mal aconselhado por gente de interesses dúbios e desejos inconfessáveis, caiu com o estrondo clássico dos finais de intermináveis regimes. Jorge Nuno Pinto da Costa é o primeiro responsável por esta deposição. Teve na mão a honradez e escolheu a soberba; pôde optar pelo unanimismo e carregou na tecla da humilhação.
Bastava um assomo de lucidez para ter abdicado em 2016 ou em 2020, quando o clube já se sentava ao colo de empréstimos mal intencionados e com taxas de juro incomportáveis.
As Sombras
A última década portista é uma história tenebrosa. Os Relatórios e Contas revelam boa parte desse pântano de dívidas e inconsciência, mas o puzzle da encenação desta SAD em fim de vida não é feito apenas de números. Como se explica a influência ubíqua de um tal Pedro Pinho em tudo o que é negócios? Basta ver quantas vezes surge a empresa PP Sports nas transações das últimas temporadas, quase em serviço de monopólio; e bastava, já agora, estar atento ao que se passava em corredores e túneis de acesso aos balneários, com esse senhor a primar pela presença simbólica em todo o lado.
Muitos se lembrarão, penso, da agressão perpetrada a um repórter de imagem da TVI em Moreira de Cónegos. Autor? Esse mesmo, a sombra de Pinto da Costa, negociador de dragão ao peito e que nunca, jamais, fez parte dos quadros do clube. O surgimento surpreendente de João Rafael Koehler não foge a este raciocínio. Passou de crítico a muleta de Pinto da Costa, portador de malas carregadas de dinheiro e ambições enigmáticas.
O Futebol
Desportivamente, a equipa foi mantendo uma razoável competitividade, interna e externamente, até à atual época. A pior da era-Conceição, ele próprio um ator imprevisível. Há uns meses considerava um absurdo renovar contrato com uma direção em final de mandato; a dois dias das eleições, renovou esse mesmo contrato - e desrespeitou, parece-me, a liberdade de escolha de André Villas-Boas e dos 21 mil sócios que o escolheram.
A Reação
Más Finanças, más companhias, resultados apenas razoáveis, ações de desespero (processo inenarrável da academia, acordo a 25 anos com a Ithaka)... e o que mais? Os gravíssimos incidentes da AG de 13 de novembro e a reação miserável de Pinto da Costa, de absoluta altivez e indiferença para com os sócios atingidos, são fundamentais para completar esta leitura.
A Operação Pretoriano foi, neste particular, decisiva para a abolição do medo e da repressão. Evitou que o Porto se transformasse numa città italiana dominada por forças mafiosas. Uma vénia à Justiça rápida e defensora do espaço público e social.
O Futuro
A Revolução de André. A exigência será altíssima, naturalmente, mas a equipa escolhida dão garantias de rigor e independência. Dão, porventura, a certeza da recuperação de um ambiente respirável no Dragão, queira a purga ser certeira e levar para bem longe figuraças e figurinhas que tão mal fizeram ao FC Porto.
Desafios, muitos desafios tem André pela frente. Escolher bem o treinador, repensar o plantel, modernizar as instalações, encontrar parceiros financeiros credíveis, acertar com os nomes para a formação e as modalidades, enfim, um projeto gigantesco. Pelo que diz, pelo que sabe e pelo que sente, André Villas-Boas é o homem certo no lugar certo. Basta seguir o caminho para onde o leva o coração.