Desde os primeiros passos no FC Porto até aos tumores detetados após acidente no Dakar
No dia em que André Villas-Boas regressou ao Olival para se apresentar ao grupo de trabalho nas novas funções, agora como presidente do FC Porto, o Maisfutebol viaja no tempo e conta-lhe oito coisas que talvez não saiba sobre o homem.
Do primeiro cartão de sócio do FC Porto, logo aos quatro anos, à equipa na Ribeira que criou com os amigos do colégio. Da influência de Bobby Robson em tudo o que é hoje, à noite que passou com um jogador maternidade. Do ringue de boxe que montou no Olival, aos dois tumores que descobriu após um acidente grave no Dakar.
Sócio do FC Porto desde os 4 anos
Luís André de Pina Cabral e Villas-Boas foi feito sócio do FC Porto aos quatro anos. A paixão pelo clube era um assunto de família há várias gerações: o bisavô Edward Kendall esteve no primeiro jogo da história do FC Porto, logo após a fundação, em outubro de 1893, e até foi capitão no segundo, uns meses depois. Mas não foi o único, os irmãos Albert e Alfred (tios-bisavôs de Villas-Boas) também jogaram nesses primeiros jogos do FC Porto. A família esteve, portanto, na origem do clube.
André Villas-Boas seguiu a tradição familiar e começou a frequentar o Estádio das Antas muito jovem, na companhia do pai. No dia seguinte lia os jornais desportivos e já nessa altura fazia as suas análises. Era doido por toda a informação sobre o FC Porto. Era um rapaz tímido, mas quando nos falava sobre os jogos do FC Porto, ficávamos todos a olhar para ele e para aquele entusiasmo que desconhecíamos, contou Diogo João há uns anos ao Maisfutebol, ele que foi colega de toda a juventude no Colégio do Rosário.
Equipa de futebol criada com amigos do colégio
Já se sabe que Villas-Boas tem raízes na aristocracia do Porto: é bisneto de um visconde e teve até um tio-avô que foi agraciado com a Ordem do Império Britânico pela rainha Isabel II. Estudou sempre no elitista Colégio do Rosário, no Porto, que frequentemente surge no primeiro lugar nacional do ranking das escolas. Foi um aluno mediano, que só se entusiasmava verdadeiramente com o futebol. Nessa altura jogava apenas no colégio e, aos quinze anos, criou com os colegas uma equipa de futebol: na realidade a equipa já existia lá no colégio e até tinha treinador, um vigilante do nome Paulo. Só precisavam de um clube.
Tínhamos tudo: jogadores, treinador, equipamentos, bolas. Fomos bater à porta de vários clubes e só o Ribeirense nos aceitou, na condição de não ter de pagar nada. Inscreveram-nos no campeonato e nós pagávamos o aluguer do campo para jogar, em Ramalde, conta Diogo João. No ano a seguir o Ramaldense já nos queria, fomos para lá porque era mais perto e ficámos mais duas épocas. Na última dessas duas épocas, o treinador Quim Espanhol foi ver um jogo dos juniores e levou três jovens para a equipa principal. Villas-Boas era um deles e ficou até final da temporada. Era um rapaz muito ligado aos amigos, vinham todos do Rosário, todos meninos de bem. Apesar de ser um rapaz de boas famílias e de já andar a treinar as camadas jovens do FC Porto, nunca notei que isso lhe subisse à cabeça, contou Quim Espanhol ao Maisfutebol.
A influência de Bobby Robson
A história já é conhecida: Villas-Boas vivia no mesmo prédio de Bobby Robson, na Boavista, e um dia ganhou coragem para lhe perguntar porque não colocava Domingos a titular. Apresentou-lhe as análises que tinha feito, o inglês ficou encantado e começou a levar o miúdo para os treinos nas Antas. Os dois ficaram amigos e Robson meteu uma cunha para Villas-Boas tirar o nível I do curso de treinadores em Inglaterra... mesmo sem ter idade: tinha 17 anos e só o podia fazer a partir dos 18. Alguém fechou os olhos. Se foi Bobby Robson a interceder, ainda bem que o fez, contou o diretor técnico Keith Blunt.
Mais tarde, o mesmo Robson arranjou-lhe um estágio no Ipswich Town. Lembro-me que era um jovem entusiástico, muito inteligente e interessado, que foi trazido por Bobby Robson, que tinha sido meu treinador, contou George Burley, então treinador do clube. Depois do estágio Villas-Boas tinha as portas do FC Porto abertas, onde foi treinador das camadas jovens. Até encontrar um anúncio das Ilhas Virgens Britânicas, a pedir um treinador. Respondeu, foi escolhido e passou um ano de calções, no paraíso das caraíbas. Até que voltou ao FC Porto, novamente para as camadas jovens. Onde reencontrou um tal de... Mourinho.
O encontro com José Mourinho
André Villas-Boas conheceu José Mourinho quando tinha 16 anos, através de Bobby Robson: os três até se encontravam às vezes no Clube Inglês, no Campo Alegre. Quando Mourinho regressou ao FC Porto, em 2002, Villas-Boas era treinador de método da equipa sub-16. Ganhou coragem e foi falar com o técnico. Propus-lhe fazer algum tipo de trabalho e ele deu-me a oportunidade de observar um jogo, contou Villas-Boas. Gostou do meu relatório e fiquei com a análise dos adversários até final da época. Depois disso, passei a tempo inteiro.
Curiosamente nessa altura ninguém fora do clube sabia da existência de Villas-Boas. A presença do observador na equipa técnica só foi revelada durante a festa no sofá (neste caso no hotel) da conquista do título de 2003, pouco antes da final da Taça UEFA. Mourinho quis que o observador fosse desconhecido, para poder estar em treinos e jogos de adversários sem estes sentirem que deviam esconder os segredos. A partir do título, a existência do jovem olheiro tornou-se pública e Mourinho até se referiu a ele três vezes no livro que publicou esse ano.
O profissionalismo como observador
Quem se cruzava com o agora presidente do FC Porto nos tempos em que era observador, na equipa técnica de José Mourinho, destaca o profissionalismo e... a idade. O André era mesmo muito novo, seria dos olheiros mais novos naquela altura. Cruzámo-nos muitas vezes, penso que a primeira vez que o vi foi numa missão de observação a uma equipa búlgara. Vi alguns relatórios e eram de facto excelentes. Distinguiam-se pela precisão, qualidade das informações e nível de dados, contou Brian McDermott, então observador do Reading.
Villas-Boas tinha nessa altura montado uma estrutura no Chelsea com quatro olheiros, cada um responsável por uma área de Inglaterra: norte, sul, este e oeste. Quando queria saber mais sobre um adversário, observava-o ao vivo, depois falava com o olheiro dessa zona, compilava os dados e fazia os relatórios. Geralmente eram documentos de cinco páginas, com análise geral à equipa e uma análise particular ao jogador que cada atleta do Chelsea ia enfrentar. O que significava que todos os relatórios eram diferentes de jogador para jogador. Curiosamente, enquanto os outros observadores escreviam páginas e páginas, com tudo o que viam, em caderninhos, Villas-Boas apontava apenas tópicos no telemóvel. Eu via-o a compilar as informações no pequeno Blackberry e ficava espantado. Sobretudo porque sabia como aquilo depois era transformado num relatório completíssimo, adiantou Brian McDermott.
A noite que passou com um jogador na maternidade
Uma das características que sempre se destacou em Villas-Boas foi a capacidade de estabelecer laços fortes. Poucas semanas depois de chegar a Coimbra, por exemplo, a esposa do jogador Miguel Pedro entrou em trabalho de parto de gémeos, quando a gravidez estava apenas com seis meses. Os bebés nasceram prematuros. Mal soube, veio ter comigo à maternidade Júlio Dinis, no Porto. Chegou de madrugada, sozinho, e virou a maternidade à minha procura. Deu-me um abraço e perguntou-me: 'Queres que passe aqui a noite contigo?', contou Miguel Pedro ao Maisfutebol.
Moveu montanhas, falou com médicos, pôs a enfermeira-chefe a tratar do meu caso, mobilizou o hospital todo para que a minha esposa tivesse a melhor assistência. Intercedeu junto dos contactos dele, falava com os médicos e dava-me feedback. Tentou tudo para salvar os meus filhos. Depois disso deu-me quase um mês para me recompor e ligava-me todos os dias. Até nos arranjou uma clínica para a recuperação da minha mulher e sem nenhum custo para nós. Meses mais tarde a minha mulher voltou a engravidar. Quando lhe liguei a contar, chorámos os dois. Por isso quando a minha filha nasceu, quisemos que ele fosse o padrinho. Ele sentiu tudo aquilo e sofreu comigo. Ficámos ligados para a vida.
O ringue de boxe no Olival
Villas-Boas cumpriu o sonho de criança em 2010, ao chegar ao FC Porto para ser o treinador principal. Foi uma fase difícil: a seguir ao Mundial da África do Sul, após uma temporada má com Jesualdo Ferreira, em que a equipa nem sequer se tinha apurado para a Liga dos Campeões e ia jogar a Liga Europa. Havia jogadores que queriam sair, outros como Bruno Alves e Raul Meireles estavam à espera de uma transferência (o que só veio a verificar-se quase no fecho do mercado) e o ambiente era por isso de cortar à faca.
Um dia chegámos para treinar e estava um ringue no fundo do campo. Ficámos todos a olhar uns para os outros. Estava tudo montado para o treino, os pinos, os cones, tudo no seu sítio, e ao fundo do campo estava um ringue de boxe. O mister chega, 'bom dia' e tal, 'o treino vai ser isto e isto, vamos fazer isto' e depois muito sério diz: 'Aquele ringue ali ao fundo é para quando vocês quiserem andar à porrada. Não há problema nenhum. Vocês querem andar à porrada porque se chatearam num exercício? Os dois que se chatearam saem, não prejudicam o exercício nem os vossos colegas, vão ali para o ringue e matem-se. Não me f... é o treino', contou Emídio Rafael ao Maisfutebol. Caímos todos a rir.
Os tumores descobertos após acidente no Dakar
André Villas-Boas sempre foi apaixonado por velocidade. Em adolescente, por exemplo, chegou a participar em provas de BTT. Mais tarde, quando foi campeão pelo FC Porto, foi questionado sobre o que ia fazer a seguir e confessou que gostava de pegar na mota e ir passear pela Europa. Por isso, em adulto adquiriu o hábito de participar em ralis e em 2018 cumpriu o sonho de correr o Dakar. Até que teve um acidente contra uma duna, foi levado de helicóptero para o hospital e teve de desistir. Apesar de tudo, acabou por ser um mal que veio por bem. Isto porque os exames que fez no hospital detetaram um tumor na tiroide e outro nas costas. Os dois foram removidos, mas Villas-Boas apanhou o susto de uma vida.
Ia morrendo, foi aquele um por cento das cirurgias que corre mal. No recobro, dez minutos depois da operação, comecei a sentir-me mal e lembro-me de pensar: 'Vou morrer, vou morrer'. Carreguei no botão, veio o enfermeiro e só me recordo de o ouvir gritar, de pegarem na minha cama, correrem pelo hospital diretamente para as urgências, as portas abrirem à força, injeção e, quando acordei, estava nas últimas. Mais uns minutos e morria asfixiado. Foi tudo muito curioso, porque por conta dos exames à tiroide descobriram-me outro tumor nas costas, que tive também de retirar. Se não fosse o acidente, nunca teria detetado estas doenças, contou à revista Sábado.