Nos últimos meses, muitos foram os que disseram que José Mourinho precisava de parar um momento, respirar fundo e olhar para trás. Era considerado urgente reencontrar-se com o special one
interior, aquele que é coberto de charme e magnetismo, que fala do eu, eu, eu, e mesmo assim o mundo escuta. As insinuações eram claras: precisava de voltar a ser o que era antes. Mas a verdade é que Mourinho nunca volta ao que já foi. Na pior das hipóteses, ele passa pelo que já foi e vai mais longe. Mais fundo. Mais alto. E no seu mais recente capítulo, voltou ao Benfica, 25 anos depois, o que nos leva a questionar o que este regresso realmente significa.
Mourinho regressou ao Benfica como só ele sabe regressar: não como quem pede desculpa, mas como quem avisa. E se há coisa que ele faz bem, é avisar. Lembram-se daquela vez que, pelo FC Porto, perdeu a Supertaça Europeia frente ao AC Milan? Chegou ao Aeroporto Sá Carneiro, colocou o ar de zangado e nem esperou que os jornalistas lhe fizessem perguntas. “O próximo vai ter de pagar”, atirou. “Não quero saber, o próximo vai ter de pagar.” O próximo era o Sporting e, sim, pagou: saiu goleado do Estádio das Antas.
O Aviso de Mourinho
E já agora, lembram-se de quando, na caminhada para a final da Taça UEFA, em Sevilha, o FC Porto perdeu em casa por 1-0 com o Olympiakos? Logo após o fim, Mourinho saiu disparado em direção ao treinador Sergio Markarían para lhe dizer que não festejasse já, porque ainda havia a segunda mão. A verdade é que o FC Porto foi a Atenas ganhar 2-0. Se há algo que esses momentos nos ensinam é que Mourinho não está aqui apenas para ganhar, mas também para comunicar uma mensagem.
É isto que ele faz. Mais do que ganhar finais, chatear a cabeça a Arsène Wenger ou provocar adversários, José Mourinho sabe avisar. Com a mesma naturalidade com que transforma um empate aborrecido numa tese sobre identidade, sofrimento e blocos baixos. Agora, algo neste regresso de Mourinho deve preocupar os adversários e não tem nada a ver com basculações, primeira e segunda fases de construção ou pressão alta. Esqueçam, Mourinho não é isso. Este Mourinho já não é isso.
A Arte Performativa
O que realmente devia assustar os adeptos é uma arte performativa: é o teatro, aquele controlo de narrativa, a pulsão violenta. É a capacidade de trazer os adeptos todos para o mesmo parágrafo de fé, fogo e vontade. De unir a gente em torno de uma paixão arrebatadora. Mourinho é um manipulador. Ardiloso, astuto e calculista. Estratega e persuasivo. É um influencer anterior aos smartphones.
Por isso, é amado pelos adeptos. Mesmo quando não vence tanto como se esperava, e aconteceu, por exemplo, em Roma ou em Manchester, os adeptos estão com ele. Respeitam-no. Defendem-no. Porquê? Porque ele consegue unir as bancadas e devolver-lhes a esperança. E não há melhor sensação do que acordar com a esperança a bater no peito.
O Impacto no Benfica
Conseguem imaginar o Benfica unido em torno de um homem, de uma ideia, de um sonho? Aquele Benfica que é um caldeirão a ferver? Um clube em permanente autodestruição, com uma granada pronta a explodir nas mãos? Conseguem imaginar a força que não será quando encontrar alguém que o consiga reconciliar numa paixão?
Pois é, Mourinho voltou, sim. Não para repetir o passado, mas para se vingar dele. Como que a dizer: “A história? Fui eu que a escrevi.” Sintam-se avisados.