O mundo do futebol português está de luto pelo falecimento de Manuel Sérgio, aos 91 anos. Conhecido como um dos maiores pensadores do desporto em Portugal, Sérgio deixou uma herança intelectual que desafia a forma como compreendemos o futebol.
Num dos seus últimos textos, Sérgio debruçou-se sobre a obra-prima de Umberto Eco, "O Nome da Rosa", encontrando nela paralelos fascinantes com a realidade do futebol português. A sua visão revolucionária para este desporto deixa um legado que vai muito além do campo de jogo.
O futebol como fenómeno social e humano
Tal como o monge Guilherme de Baskerville, Sérgio defendia que o futebol não pode ser reduzido a fórmulas matemáticas ou a uma visão positivista. Pelo contrário, o futebol é um fenómeno social e humano, repleto de «sonho, imaginação, sentimento, drama e comédia».
Para Sérgio, as Faculdades de Desporto e os cursos de treinadores têm um papel crucial a desempenhar nesta transformação. Ao invés de se limitarem a repetir o que já se aprendeu há muito tempo, estas instituições devem fomentar a pesquisa, a insatisfação e a vontade de criar um «território arvorado em independente, aberto aos heréticos de quem o Ter e o Poder desconfiam».
Libertar o futebol dos dogmáticos
Tal como o monge criminoso em "O Nome da Rosa" temia o riso e a crítica, Sérgio acreditava que o futebol português também precisa de se libertar dos «sebenteiros» e dos dogmáticos, que se agarram a cartilhas ortodoxas. Só assim poderá surgir um «futebol novo», capaz de surpreender e de se reinventar constantemente.
«O futebol (e o desporto em geral) precisa dos cursos superiores de Desporto (e até de cursos de treinadores), desde que deles ressalte um saber onde a maior saliência do magistério dos professores seja a insatisfação e a dos alunos a vontade da criação de um território, arvorado em independente, aberto aos heréticos de quem o Ter e o Poder desconfiam», defendia Sérgio.
Um legado transformador
A sua visão revolucionária para o futebol português deixa um legado que vai muito além do campo de jogo. Sérgio acreditava que o futebol, como manifestação da motricidade humana, deve ser estudado no âmbito das ciências sociais e humanas, e não apenas através de uma abordagem positivista ou económica. Só assim, dizia ele, poderemos compreender a verdadeira essência deste desporto, que é tão «desconcertante e perturbador».
A partida de Manuel Sérgio é uma grande perda para o mundo do futebol português, mas a sua obra e o seu pensamento continuarão a inspirar gerações de treinadores, jogadores e adeptos a olharem para este desporto com uma perspetiva mais ampla e transformadora.