A saída de João Pereira do Sporting e as declarações de Frederico Varandas

  1. João Pereira foi brutalmente despedido do Sporting, segundo o Daily Mail
  2. João Pereira não conseguiu repetir o sucesso de Ruben Amorim
  3. Frederico Varandas fez declarações muito otimistas sobre João Pereira antes dele assumir o cargo

A saída de João Pereira do comando técnico do Sporting merece destaque esta quinta-feira na imprensa inglesa, com o Daily Mail a dizer que «o substituto de Amorim é brutalmente despedido a seis minutos do fim do Natal». A publicação inglesa fala da quebra registada desde a chegada do ex-jogador aos leões, na sequência da saída de Ruben Amorim para o Manchester United, e sublinha que «o Sporting não conseguiu espalhar a alegria festiva no dia de Natal, tendo despedido o treinador João Pereira pouco mais de um mês depois de este ter substituído Ruben Amorim».

Atendendo ao registo de João Pereira à frente dos verdes e brancos, o Daily Mail destaca a «particularmente pesada derrota contra o Arsenal em casa, 1-5, para a Champions».

As declarações de Frederico Varandas

O otimismo exacerbado na apresentação de João Pereira


Antes sequer de a equipa jogar sob as instruções de João Pereira, o presidente do Sporting já profetizava, sem hesitações: «Tenho muito poucas dúvidas que daqui a quatro, cinco anos estará num dos clubes mais poderosos da Europa.» Mais do que um lesado das circunstâncias que Frederico Varandas, quando os resultados já não sorriam, invocou como atenuantes (e voltou a mencionar esta quinta-feira), o treinador que durou 45 dias no cargo começou por ser vítima das declarações do próprio líder do clube. Na despedida, e pela segunda vez em tão pouco tempo, manteve a crença.

O peso das palavras de Varandas


As palavras não andam aos chutos à bola, jogos de futebol não se ganham ou perdem por elas, mas o que é dito, quando é dito e de que forma é dito pode dar uns valentes pontapés nas perceções que moram na cabeça das pessoas. A 11 de novembro, quando Frederico Varandas ia falar em público na apresentação do treinador que escolheu, o presidente do Sporting tinha um arraial de hipóteses e escolheu, pelo que disse, a menos simpática para o homem prestes a ficar encarregado de arcar com uma herança tectónica.


Ainda com o Sporting inebriado com o frenesim de êxitos recentes, já a ressacar da ida do seu mais que tudo para Manchester sem ainda ter noção do que o esperava, o presidente dos leões optou, mal tomou o microfone para falar, por declarar o seu otimismo sem cautelas: «Quase cinco anos depois, posso dizer que temos o mesmo sentimento que tinha exatamente nesta sala. Disse-o na altura, hoje sinto o mesmo: tenho muito poucas dúvidas que João Pereira, daqui a quatro, cinco anos, estará num dos clubes mais poderosos da Europa. Vai encontrar um grupo de jogadores fabuloso, com um capitão fabuloso, um staff fabuloso e, sobretudo, vai encontrar um Sporting, um clube, que o vai proteger e permitir crescer enquanto treinador.»

O peso da herança de Amorim


Quem viesse depois de Ruben, fosse João Pereira ou outro, teria de calçar uns sapatos tramados de encher devido ao legado deixado pelo anterior treinador. Dizendo o que disse, o presidente do Sporting acrescentou a sua generosa ajuda à farra das expetativas.

O desempenho aquém das expectativas


As três vitórias em oito partidas, com 14 golos marcados e 13 sofridos, carimbaram a agruras nos resultados, presos a um fio de jogo encravado, longe do que fluía sem solavancos com Ruben Amorim. O desalento nas reações de alguns dos seus futebolistas evidenciaram que os novos métodos não pegavam.


A confiança emanada por Varandas há 45 dias contrasta com o que a realidade mostrou. Não só o trabalho feito por João Pereira teve pouco de ilustrativo, para já e neste período, de que irá voar às altitudes profetizadas pelo presidente do Sporting, como o clube pouco fez para o proteger - a começar na exacerbada fasquia que o presidente colocou em elevadas altitudes.

As dificuldades herdadas por João Pereira


Já a equipa, em campo, sofria com o baixio de forma dos jogadores que antes a carregavam (Viktor Gyökeres ou Francisco Trincão) ou era descascada de várias fortalezas pelas mazelas que afetaram unidades fulcrais (Pedro Gonçalves já se sabia, a ele juntaram-se Gonçalo Inácio, Hidemasa Morita e Daniel Bragança) e Frederico Varandas, no aeroporto antes da partida para a Bélgica, rumo à derrota com o Club Brugge, voltou a falar para exprimir que só falava quando quer, não quando pretendem ouvi-lo - «O presidente do Sporting não fala quando este ou aquele acha, mas sim quando entendemos que é o momento certo para falar.»

As justificações de Frederico Varandas


E falaria, na quinta-feira passada, noutro momento, tal qual a apresentação de João Pereira, em que é protocolarmente expectável que o presidente do Sporting tome o palco.


A discursar na gala anual dos Prémios Stromp e já com os leões a moribundearem no futebol exibido, explicou que o convite dirigido a João Pereira foi «o presente mais envenenado para um treinador» porque «não [tinha] tempo». Bateu certo com as evidências: o antigo internacional português assumiu o cargo na paragem das seleções, no período em que mais era possível fintar ao de leve essa carência de tempo. O que o novo treinador herdava, elaborou Varandas, era «uma máquina afinada à qual tem de se adaptar». A 26 de dezembro, contrato rescindido com João Pereira, o presidente retornou à ideia, embora sem sugerir o mesmo: «Inconscientemente, tinha exatamente que se adaptar e fazer com que uma máquina montada continuasse a rolar à medida do ex-treinador.»

A responsabilidade de Frederico Varandas


João Pereira, a solução pescada dentro de portas, o escolhido que estava na infância imberbe da carreira, «não pôde ser João Pereira», lamentou o presidente. «Olhando para trás, se calhar, fosse João Pereira ou qualquer outro treinador, infelizmente ia passar por isto», deliberou Frederico Varandas, engrandecendo o poder das circunstâncias e sugerindo que suplantariam qualquer pessoa. «Podíamos trazer alguém de fora, mas com sete jogos em 26 dias não teria tempo para treinar», argumentou o presidente, na semana anterior, para justificar a opção pelo homem em quem via um sucessor de Amorim há muito.


Nem João Pereira teve tempo, nem outrem teria, mas, talvez por o seu jogo partir, no papel, de um sistema com três centrais, dois alas, um par de médios e três atacantes, porventura a magreza temporal, combinada com ser um treinador vindo de Alcochete, não o afetaria tão severamente na lógica extraída da intervenção do presidente do Sporting. Mas Varandas disse saber, portanto conhecer, o grupo de jogadores, que «iriam ter dificuldade em entender alguém que dissesse: agora vamos jogar assim e assado».

A apresentação de Rui Borges


Precisamente o que João Pereira terá dito, pelos seus modos, como qualquer treinador o faria. E o que Rui Borges, à sua maneira, fará agora.


Intuiu então o líder do clube que houve a exclusão dessa parte, a de vir algum técnico que não da casa, invocando ainda razões externas, caídas fora do seu controlo, que contribuíam para o declínio do último mês e meio: o clube «não escolheu o timing do fim desse ciclo», foram empurrados por «um grande europeu [que] chegou e o nosso treinador aceitou», depois houve «cinco titulares» que se lesionaram e apareceu a ressaca de «um ano de tanto sucesso». Todos se sentiam «vítimas» desse sucesso. E acrescentou ainda o truque barbudo de velhice, por tão visto em Portugal - a referência às «arbitragens infelizes».


Uma semana depois, na apresentação de Rui Borges, a mesma apologia dos imponderáveis, ou terá sido dos incontroláveis? «Consideramos nós que João Pereira experienciou verdadeiramente o que é a Lei de Murphy, teve uma onda de lesões que eu, enquanto presidente do clube, nunca tivemos, e teve também arbitragens extremamente infelizes que prejudicaram a carreira do treinadores neste momento crucial.»

O arrependimento de Frederico Varandas


Com os resultados a titubearem, as dúvidas já refasteladas no sofá da casa leonina, Varandas admitiu, a 19 de dezembro, o veneno no convite que fez a João Pereira, algo que vai «carregar para o resto da vida». Quando o apresentou, as suas admissões apontaram em direção oposta. Quiçá a sentir a tardeza de então recorrer a um antídoto, o presidente tentou serenar as hostes que tinham visto o Sporting a jogar com João Pereira, as mesmas que não se demoveu de entusiasmar na proclamação feita quando ainda vivalma vira os leões atuarem com este treinador.

A vitimização de João Pereira


O presidente vitimizava o clube quando a maior vítima, antes de realmente ser culpado de algo, era João Pereira.


Não das circunstâncias, o treinador também as conhecia ao assinar um contrato até 2027, sim das desmesuradas expetativas propagadas por Frederico Varandas que há quatro anos e meio, quando outro rasgo de confiança o moveu, não se aventurou tão além na travessia profética. «Contratámos um grande treinador, mas não um milagreiro», acautelou, em 2020, ao apresentar o homem nas temporadas seguintes, sozinho, quase dispensou declarações públicas do presidente pela sua carismática autonomia em lidar com quaisquer eventualidades diante de microfones e câmaras.

Um padrão de despedidas de treinadores no Sporting


Tocou agora ao ex-diretor clínico eleito presidente, em 2018, reeleito quatro anos depois, um terceiro ato enquanto abridor das cortinas para um novo treinador. Varandas despediu José Peseiro de modo a estender caminho a Marcel Keizer, abdicaria do neerlandês antes da validade do contrato para ir buscar Jorge Silas e cortaria o cordão com esse técnico para trazer Ruben Amorim, o único dos 'seus' treinadores (descontando os interinos Tiago Fernandes e Leonel Pontes) que saiu do Sporting porque realmente quis.

A apresentação de Rui Borges


No quinto treinador que apresentou, sempre a meio de uma temporada e a quarta vez por decisão sua, Frederico Varandas manifestou a mesma dose de convicção. «Não tenho dúvidas que hoje o treinador que vai ser apresentado vai poder ser o Rui Borges», disse. O que o faz estar tão certo? «Porque assim lhe é permitido.» Terão sido as circunstâncias a não deixarem que tal acontecesse com João Pereira?

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