A antítese do fair play
É compreensível a posição de Jorge Jesus, autor da célebre frase que dá título a esta crónica. De facto, há no desporto de alta competição — sobretudo no futebol, onde as exigências são tremendas — momentos que são tudo menos um hino às boas práticas. As simulações grosseiras (não esqueçamos, estamos a falar de expedientes deliberados para induzir árbitros em erro, prejudicando colegas de profissão), as perdas de tempo ostensivas e os protestos/gestos exagerados são algumas das práticas que representam a antítese do que se espera de atletas de topo, em termos de postura e valores.
O mérito do fair play
Mas, por outro lado, é da mais elementar justiça sublinhar o fair play que muitos evidenciam em várias situações de jogo. E o mérito maior tem que ir para aqueles que, como Pepê, abdicam de lance em que podiam retirar óbvios dividendos desportivos. O avançado do FC Porto percebeu que Pedro Amaral, seu marcador direto, caiu lesionado no relvado, deixando-o em situação tática muito vantajosa. Mas em vez de prosseguir a jogada, o jogador brasileiro parou o lance e esperou pela interrupção da partida, de forma a que o colega de profissão pudesse receber tratamento.
Mais exemplos de fair play
Não é importante especular se o Pepê faria o mesmo caso o jogo estivesse empatado ou se a sua equipa estivesse a perder. Importante é aplaudir e elogiar o gesto, aquilo que realmente aconteceu e que pressupôs uma opção racional, honesta e altruísta. E são momentos destes, profundamente humanos, que dão cor e beleza a uma arte hoje demasiado perdida em valores diferentes.
Antes de Pepê, outros jogadores como Galeno e Paolo Di Canio também deram demonstrações de fair play. Galeno, do FC Porto, colocou a bola fora ao perceber que o adversário se tinha lesionado sozinho. Já Di Canio, conhecido pelo temperamento irascível em campo, abdicou de uma clara oportunidade de golo quando viu o guarda-redes do Everton caído no solo.
O fair play como fator diferenciador
Mais tarde, Miroslav Klose, ao serviço da Lazio, marcou golo ao Nápoles com a ajuda da mão. O árbitro não viu, mas o alemão assumiu de imediato a irregularidade do lance, levando à sua anulação imediata. O atacante passou a ser admirado e respeitado por todos os companheiros, colegas de profissão, árbitros, adeptos e imprensa. Haverá melhor recompensa que essa?
Exemplos como este mostram que o fair play é a marca diferenciadora no jogo e em qualquer atividade desportiva. É a escolha certa numa realidade onde o mais fácil é fazer a errada. E é também por isso que tem sido sucessivamente contabilizado como fator diferenciador em termos desportivos. Por exemplo, no Campeonato do Mundo de 2018, o Japão qualificou-se para a fase seguinte devido ao Critério do Fair Play (foi a equipa com menos cartões amarelos até então).
O fair play como virtude
Só escreve o nome na História quem é verdadeiramente honesto em campo e esses, felizmente, ainda são a maioria. Como bem disse Jorge Jesus, «o fair play não é uma treta, sobretudo quando praticado em território tão exigente como é o do futebol profissional. O fair play é, na verdade, a forma mais nobre de valorizar o espetáculo, de educar jovens adeptos e praticantes e de devolver às pessoas a esperança de que há no jogo momentos imperdíveis de tão especiais e bonitos».