O mundo do futebol português é marcado por várias transferências e saídas polémicas de treinadores e jogadores dos três grandes clubes - Benfica, Sporting e FC Porto. Desde desentendimentos com dirigentes a divergências sobre a preparação das equipas, estes episódios têm sido frequentes ao longo dos anos.
Relembre alguns dos momentos mais marcantes envolvendo as principais equipas do país.
A birra de Jimmy Hagan
Tudo começou a 25 de setembro de 1973. De manhã, treino do Benfica; de noite, na Luz, festa de homenagem a Eusébio frente a uma equipa do Resto do Mundo. Dois dias antes, o Benfica batera o Belenenses, no Restelo, por 2-1. Dali a cinco dias, receberia o Oriental. Jimmy Hagan, treinador dos encarnados desde julho de 1970, com um tricampeonato no bolso (1971, 1972 e 1973, este sem derrotas), dá o treino. Voltas e voltas em redor do relvado da Luz. Às tantas, Hagan pede aos jogadores para saltarem por cima dos painéis de publicidade. Uns cumpriram as ordens, outros contornaram os obstáculos. O inglês chateia-se, diz que alguns dos jogadores não cumpriram a ordem dada e, como castigo, não os convoca para a festa de Eusébio. Porém, apenas Humberto Coelho e Toni ficam fora da lista. Veem a primeira parte do jogo na bancada e só, na segunda, por interferência de Borges Coutinho, então presidente do Benfica, entram em campo. Hagan abandona o relvado e, no dia seguinte, pede a demissão e Borges Coutinho aceita-a.
Mário Lino sem final de taça
Três semanas antes, a 19 de maio de 1974, o Sporting sagrara-se campeão nacional, após bater o Barreirense, no Barreiro, por 3-0. Seguiram-se a 26 de maio e a 2 de junho, os quartos de final da Taça de Portugal, frente a Boavista e Olhanense: 2-0 e 2-1 para os leões. Na final, um sempre apetecível Sporting-Benfica. Os encarnados tinham vencido três das cinco anteriores (1969, 1970 e 1972) e os verde-e-brancos as outras duas (1971 e 1973). Mário Lino, treinador campeão pelos leões, vencera a final de 1973 e estava na de 1974. Há, porém, divergências de opiniões entre João Rocha e Mário Lino, relativas à preparação da época seguinte (sim ou não a uma digressão aos Estados Unidos; sim ou não a prolongar o contrato com o treinador). E, na véspera da final, João Rocha comunica a Mário Lino que não será ele a estar no banco no Jamor, avançando Osvaldo Silva para o seu lugar. O Sporting ganharia a final por 2-1, golos de Nené (32'), Chico Faria (88') e Marinho (107').
Malcolm Allison, o 'libertino'
A 30 de julho de 1982, três meses após o Sporting se ter sagrado campeão nacional, com Malcolm Allison a treinador, João Rocha demite o inglês, na sequência de polémico estágio na Bulgária. O presidente dos leões informara os jogadores de que ia falar com Allison e, se ele não modificasse algumas atitudes que o Sporting considerava inadequadas, arranjaria outro treinador. Segundo o clube, o inglês era demasiado liberal na forma como permitia «algumas liberdades» aos jogadores. «Querem que eles se treinem e joguem como leões e vivam como carneiros?», perguntava Allison. O clube sustentava que o treinador permitia aos jogadores a ingestão de álcool «para lá do que era aceitável a um profissional de futebol» e que, durante o estádio em solo búlgaro, «houve demasiadas raparigas a conviver com alguns jogadores». Tudo junto, João Rocha avançou para a rescisão de contrato com Malcolm Allison e, a 22 de agosto de 1982, dia da primeira jornada do Campeonato Nacional, foi António Oliveira a comandar a equipa na receção ao Marítimo (1-0). Como jogador-treinador.
A pressão sobre Quinito
A 5 de novembro de 1988, Outubro fora calamitoso para o futebol do FC Porto: 0-2 com o HJK Helsínquia, 1-1 com o Farense, 1-0 ao Belenenses, 0-0 com V. Guimarães e Benfica, 0-5 com o PSV, 0-0 com o Fafe e, por fim, magrinho 2-0 sobre o Vilafranquense, para a Taça de Portugal. A seguir a este jogo, começaram a surgir notícias contraditórias: Quinito, o treinador, ia demitir-se; Pinto da Costa, o presidente, ia demiti-lo. A pressão exercida sobre o treinador foi demasiado pesada para aquela a que Quinito estava habituado (jogara no SC Braga, Santander, Belenenses, Académica e V. Setúbal; treinara Espinho, Al Yarmouk, SC Braga, Rio Ave, U. Lamas e Famalicão). O próprio confessou, mais tarde, não estar preparado para a pressão exercida pela massa associativa desabituada de perder. Pinto da Costa chegou a tentar demovê-lo, mas Quinito quis sair. E saiu. Na tarde de 5 de novembro, no jogo com o Leixões, nas Antas (1-0), seria Alfredo Murça a sentar-se no banco como treinador dos dragões. Pouco depois, Artur Jorge, de saída do Matra Racing, regressaria ao FC Porto.
Bobby Robson, o líder que sai
A 7 de dezembro de 1993, a Liga tinha três líderes no final da jornada 11 de 1993/1994: Sporting, Benfica e FC Porto somavam 17 pontos. Porém, no início de dezembro, na sequência de uma derrota por 0-3 em casa do Casino Salzsburg e consequente eliminação da Taça UEFA, o presidente dos leões, Sousa Cintra, decidiu afastar o treinador Bobby Robson. E explicou porquê: «Há ano e meio, quando ele assinou pelo Sporting, satisfiz todos os seus desejos: comprei os jogadores que ele queria, dei todas as condições à equipa técnica. Apesar de não ser treinador, sei ver, perfeitamente, quando se erra. E, no encontro com o Casino Salzsburg, Bobby Robson cometeu erros que não podia cometer.» Sousa Cintra contratou, então, Carlos Queiroz para substituir Bobby Robson. O Sporting continuaria na luta pela conquista do Campeonato Nacional, mas terminaria 1993/1994 no 3.º lugar, a um ponto do FC Porto e a três do Benfica.
Toni, o campeão que sai
Para suceder ao inglês John Mortimore, no início de 1987/1988, a Direção do Benfica, liderada por João Santos, escolheu o dinamarquês Ebbe Skovdahl. A experiência durou 17 jogos e Toni, o seu adjunto, foi promovido. Na época seguinte, a sua primeira de ponta a ponta no Benfica (1988/1989), foi campeão nacional com sete pontos de avanço sobre o FC Porto. Mas o Benfica, para atacar 1989/1990, preferiu ir buscar Sven-Goran Eriksson, campeão em 1983 e 1984, tendo Toni aceitado passar a adjunto. Cinco anos depois, a história repetiu-se, agora com Jorge de Brito como presidente. Toni substituiu Tomislav Ivic em outubro de 1992 e, na época seguinte, o Benfica foi, de novo, campeão. Fez o último jogo a 2 de junho de 1994 e, no dia seguinte, o então presidente do Benfica, Manuel Damásio, anuncia que Artur Jorge será o treinador para 1994/1995. Toni recusa passar a ser manager por considerar desadequado o tempo e o modo (só depois de o nome de Artur Jorge ter vindo a público) como a questão lhe foi colocada. Pela segunda vez, Toni era campeão nacional e pela segunda vez a Direção do Benfica escolhia outro treinador para atacar a época seguinte.
Cai Manuel Damásio, cai Manuel José
A 22 de setembro de 1997, passava um quarto de hora das 22 horas quando Manuel Damásio, presidente do Benfica, anunciou: «A Direção decidiu, por unanimidade, rescindir os contratos com os técnicos da equipa principal [Manuel José, Raul Sousa, Minervino Pietra e Jorge Teixeira].» E antes, uma revelação: «Decidimos pedir eleições antecipadas.» Há muito que a relação entre Manuel José e os dirigentes do Benfica era má. Toni, diretor-desportivo, tentou estabelecer a ponte. Porém, os maus resultados aceleraram o divórcio e colocaram ponto final na agonia, sendo que Manuel Damásio sempre dissera que Manuel José seria treinador do Benfica enquanto ele, Damásio, fosse presidente. E cumpriu. Quatro dias depois, o descalabro (que ainda ninguém antevia): Vale e Azevedo anuncia que será candidato à presidência do Benfica. Absurdamente (aos olhos de hoje), afirma na apresentação da candidatura: «A Direção, comandada pelo senhor Manuel Damásio, levou o Benfica para o abismo.»
Mourinho: renova ou sai
A 3 de dezembro de 2000, José Mourinho estava há pouco mais de dois meses como treinador do Benfica, após múltiplos anos no Barcelona como adjunto de Bobby Robson e Louis van Gaal. Fora apresentado na Luz a 20 de setembro como substituto de Jupp Heynckes e, nos 74 dias seguintes, ganha seis e empata três dos 11 jogos realizados. Porém, a relação com a Direção do Benfica, liderada por Manuel Vilarinho, deteriora-se rapidamente. Mourinho exige a renovação do seu contrato, que terminava no final da época, ou então sai. Vilarinho não cede às pressões e a 3 de dezembro, Mourinho deixa o Benfica, sendo substituído por Toni.