O resiliente Edson Valencia, atleta do Sporting CP, abriu o coração numa entrevista reveladora, partilhando os momentos mais desafiantes da sua carreira. Desde adaptações forçadas a novas posições em campo até aos obstáculos impostos por conflitos internacionais e a pandemia global, Valencia demonstra uma capacidade notável de superação.
Atualmente a brilhar no Sporting CP, o experiente voleibolista recorda com humildade as experiências marcantes que moldaram a sua trajetória profissional e pessoal, revelando a paixão e a garra que o impulsionam a cada novo desafio.
A Proposta Irrecusável de Israel e o Confronto com a Guerra
A transferência para Israel surgiu como uma oportunidade única, impulsionada pelo seu desempenho de destaque nos Açores e nas competições europeias. Valencia relembra que, apesar de o campeonato israelita não ser tecnicamente superior ao português, representava um avanço financeiro significativo, crucial para o futuro da sua família. No seu último ano no Bastardo, Valencia brilhou como oposto, especialmente nas meias-finais das competições europeias contra o Maccabi, onde acredita ter marcado mais de 30 pontos com grande eficácia.
A adaptação a Israel começou de forma promissora, com boas condições de vida em Tel Aviv. Contudo, uma semana após a sua chegada, a guerra irrompeu. Valencia descreve o momento em que as sirenes soaram pela primeira vez: «Estava tranquilamente deitado, no sofá, descontraído, quando começaram a tocar as sirenes.» Inicialmente, desvalorizou o alarme, mas a persistência das sirenes levou-o a investigar. Ao perceber o pânico dos vizinhos a correr para um bunker, Valencia seguiu-os, descrevendo a experiência como um choque.
A Vida Sob o Terror das Sirenes e a Decisão de Regressar
A partir desse momento, a guerra tornou-se uma constante na sua vida diária. Valencia enfrentou dificuldades para dormir, mantendo sempre o passaporte e dinheiro consigo, preparado para uma fuga a qualquer instante. A situação era insustentável, levando-o a comunicar a sua situação à equipa. Após conseguir regressar a Portugal num voo comercial, Valencia voltou a Israel, habituando-se gradualmente às sirenes e aos abrigos. Os treinos eram frequentemente interrompidos, mas com o tempo, as coisas normalizaram-se. Valencia foi ainda emprestado a uma equipa francesa, o Narbonne, antes de regressar a Israel para terminar o campeonato, onde conquistou títulos.
O Regresso a Portugal e o Desafio Aliciante no Sporting CP
O convite para regressar a Portugal, feito por João Coelho, não foi fácil de aceitar devido às diferenças financeiras entre Israel e Portugal. Valencia, com 38 anos, ambicionava um campeonato menos exigente, mas com melhores condições financeiras. No entanto, a persistência de João Coelho, que conhecia o seu espírito competitivo e o desejo de ser campeão, convenceu-o a regressar. Valencia afirma que não se arrepende da decisão, encarando-a como a melhor possível e comprometendo-se a ir até ao fim.
A Inesperada Aventura na Construção Civil Durante a Pandemia
A pandemia de Covid-19 surpreendeu Edson Valencia em Guimarães, impedido de regressar a casa e sem atividade desportiva. Para garantir o sustento da sua família, Valencia aceitou um desafio completamente novo: trabalhar na construção civil. Recorda que a sua versatilidade, desenvolvida desde a juventude na Venezuela, foi crucial para enfrentar este período difícil.
Valencia recorda que um telefonema de um amigo o levou a trabalhar nas obras da casa da irmã deste. Sem jogos e impossibilitado de voltar ao seu país, Valencia viu nesta oportunidade a única forma de garantir o sustento da família. «Saía às sete da manhã e regressava a casa às 19h00, 20h00 e era o dia todo com o martelo na mão», recorda, detalhando o quão exaustivo era o trabalho. No entanto, a necessidade de prover para a família superava o cansaço físico.
A Superação Através do Trabalho Manual e a Ausência do Voleibol
Valencia recorda um episódio em que teve de construir um muro sozinho, sem experiência prévia. A ansiedade da noite anterior foi substituída pela satisfação de ver o trabalho concluído. Durante este período, Valencia não pensava no voleibol, focando-se apenas em garantir o sustento da família. A experiência foi, segundo ele, um período de grande aprendizagem.
A Polivalência Nascida no Decatlo e a Paixão pelo Desporto
Edson Valencia partilha que, antes de se dedicar ao voleibol, praticava decatlo na Venezuela. Apesar de não se considerar um atleta exemplar, o atletismo ensinou-lhe lições valiosas sobre atitude e superação. Valencia recorda os treinos intensos e os ensinamentos dos seus treinadores, que o incentivavam a ter uma atitude de campeão. «Eles estavam sempre a dizer: «Edson, um campeão tem de ter atitude.»», recorda. O atletismo ajudou-o a moldar o seu carácter e a enfrentar os medos.
Valencia recorda com carinho o lançamento do dardo, modalidade em que o treinador o incentivava a gritar para libertar a tensão. Apesar de se sentir inicialmente ridículo, Valencia descobriu que o grito o ajudava a exteriorizar emoções e a melhorar o seu desempenho. «Na minha cabeça foi como se estivesse a ganhar uma medalha olímpica!», exclama, descrevendo a sensação de bem-estar que sentiu após o primeiro grito.
A Transição para Oposto e a Redescoberta do Voleibol em Viana do Castelo
Após a pandemia, Edson Valencia regressou ao voleibol através de uma oportunidade no Viana do Castelo. Inicialmente central, Valencia teve de se adaptar à posição de oposto devido à falta de vagas na sua posição original. A mudança foi um desafio, mas Valencia aceitou-o de bom grado. «Quem tem medo de viver?!», questiona, demonstrando a sua atitude destemida perante os desafios. Valencia expressa a sua gratidão ao treinador que lhe deu a oportunidade de jogar como oposto, reconhecendo o risco que este correu ao contratar um jogador fora da sua posição habitual.
Valencia revela que gostou mais de jogar como oposto no Viana do que de participar nos Jogos Olímpicos. O clube minhoto ocupa um lugar especial no seu coração, tanto que tem a camisola daquele ano emoldurada em casa. A experiência no Viana foi um desafio diário, transformando a sua forma de jogar e permitindo-lhe descobrir novas paixões no voleibol.
Valencia conclui a entrevista refletindo sobre a sua trajetória, desde os tempos difíceis na Venezuela até ao sucesso no voleibol europeu. A sua história é um exemplo de resiliência, adaptação e paixão pelo desporto.