O duplo dérbi lisboeta entre Benfica e Sporting na primavera de 1974 foi mais do que um confronto desportivo. Este evento desportivo ajudou a refletir a transformação da sociedade portuguesa implicada pelo 25 de Abril, que derrubou o regime ditatorial então comandado por Marcello Caetano. Em apenas 70 dias, os dois rivais defrontaram-se por duas vezes, com as 'águias' a vencerem na casa dos 'leões' para a 26.ª jornada da I Liga (5-3), em 31 de março, num triunfo incapaz de evitar o 14.ª título de campeão nacional do Sporting.
O cenário político do país transfigurou-se nesse período, com a Revolução dos Cravos a marcar profundamente a vida dos portugueses. Marcello Caetano, então presidente do Conselho, tentava lograr alguma sensação de segurança em dia de fervor futebolístico, após se ter refugiado em Monsanto face a uma revolta militar falhada. É fantástico ver que a força do futebol fez com que Marcello Caetano tivesse aparecido num jogo para testar aquilo que era ou não aceite pelo povo português. - António Simões, ex-avançado do Benfica.
O confronto desportivo num contexto político conturbado
O Sporting ganhou com um 'bis' de Dinis em Alvalade, mas o Benfica ripostou com uma vitória em casa duas semanas depois, com destaque para os golos de Héctor Yazalde e Humberto Coelho. Estávamos a fazer o aquecimento quando ele entrou e notámos algum sentido de manifestação do público, especialmente na bancada central. Considerámos normal essa aparição, que passou ao lado da importância do duelo. Nós estávamos muito focados em sermos campeões nacionais. - Carlos Pereira, ex-defesa dos 'leões'.
A reviravolta e impacto político
O Benfica ficou a dois pontos do Sporting, que se consagrou na última jornada, ao impor-se no Barreiro (3-0) 25 dias depois do 25 de Abril. A final da Taça de Portugal entre os dois clubes foi um momento marcante, com o Sporting a conquistar a nona taça na prova 'rainha'. Chico Faria e Marinho foram os heróis 'leoninos' nesse jogo.
O ambiente sociopolítico e desportivo
A presença de Marcello Caetano no estádio e a atmosfera política conturbada refletiram-se no ambiente desportivo da época. Num período de maior instabilidade, em que o poder político é incerto e a incerteza é maior no seio da sociedade, é muito provável que a violência [nos recintos desportivos] tenha sido exponenciada pelo próprio estado de coisas em que se encontrava o país naqueles dois anos do PREC, entre 1974 e 1976. - Ricardo Serrado, historiador.