No cenário atual do futebol português, a tensão entre crítica e silêncio é palpável, refletindo-se nas atitudes de clubes e dirigentes. Bruno Vicintin, presidente da SAD do Santa Clara, expressou claramente o clima de receio que envolve as decisões no desporto, afirmando: “Eu e todos do Santa Clara vamos, por ordem minha, permanecer em silêncio, já que tenho medo de que, se falar o que penso, o nosso clube possa ser ainda mais prejudicado do que já foi.” Esta declaração sublinha o temor crescente entre os clubes em relação às repercussões de pronunciamentos públicos, especialmente após decisões controversas em jogos. Além disso, Vicintin anunciou que o clube planeia contestar decisões, solicitando a anulação da expulsão de Paulo Victor e a divulgação dos áudios do VAR e das imagens de fora de jogo relacionadas com um penálti controverso.
A necessidade de se manter em silêncio revela um problema sério: a percepção de que a crítica pode levar a sanções e represálias. Esta realidade é ainda mais evidente nas palavras de João Lobão, advogado especialista em direito desportivo. Em um recente artigo, ele refletiu sobre a sanção aplicada ao FC Porto, que foi multado em mais de 15 mil euros após um comunicado crítico relativo a um incidente envolvendo o árbitro Fábio Veríssimo. Lobão argumenta que “punir quem critica, descreve factos ou anuncia o recurso aos meios legais disponíveis não protege a arbitragem. Fragiliza-a.”
A Crítica e a Arbitragem
O impacto dessa dinâmica vai além de um simples jogo ou decisão. O silêncio imposto pode levar a um ambiente em que a liberdade de expressão é severamente limitada. Segundo Lobão, a arbitragem não deve ser uma função intocável, mas, sim, sujeita a crítica: “Os árbitros são, convém recordá-lo, seres humanos, falíveis e mortais. Exercem uma função num contexto de enorme pressão mediática e emocional. Isso não os desqualifica - mas também não os coloca numa redoma imune à crítica.” Esta resistência à crítica é perigosa, uma vez que pode desencorajar a transparência e o debate saudável no desporto, pilares de qualquer sistema democrático.
A Imagem das Associações
Além do mais, esse problema não atinge apenas a relação entre clubes e arbitragem, mas também a imagem das associações responsáveis por regular o futebol em Portugal. Lobão critica o papel da APAF, sugerindo que, ao sancionarem comunicados críticos, legitimam uma visão restritiva da liberdade de expressão que colide com a Constituição da República Portuguesa. Observar como os clubes lidam com a crítica e como as instâncias disciplinares reagem a essa crítica é crucial para entender a dirigição do futebol em Portugal.
“Neste ritmo, corre-se o risco de a APAF deixar de ser percecionada como uma associação representativa e passar a ser vista, com inevitável ironia, como a Associação Portuguesa dos Amuados do Futebol - excessivamente sensível à crítica e pouco disponível para aceitar o contraditório,” conclui Lobão.
A Situação Crítica
A situação é crítica. Enquanto os clubes como Santa Clara assumem uma postura de resguardo, temendo consequências de sua autonomia, a liberdade de expressão, braçada pelo direito de crítica, está se esvaindo. Sem dúvida, os clubes devem encontrar um equilíbrio entre a preservação do seu interesse institucional e a necessidade de um debate aberto e honesto, sem censuras ou repressões.
O fortalecimento da arbitragem passa pela capacidade de ouvir e aceitar críticas construtivas, em vez de silenciar vozes que desejam expressar revolta ou descontentamento. A evolução do futebol português depende da coragem dos clubes e dirigentes para abordarem estas questões de forma transparente, promovendo um ambiente desportivo mais saudável e justo.