Natal no Estádio da Luz

  1. É uma pena que nem todos os adeptos do Benfica possam visitar o Estádio da Luz na véspera do Natal
  2. Há poucas coincidências mais felizes do que jogar em casa no dia 23 de dezembro, com o estádio cheio e uma baliza escancarada para o primeiro lugar da liga
  3. Alguém conhece outra família no mundo, repito, no mundo, que tenha juntado sessenta mil quinhentos e setenta e dois membros numa noite fria de dezembro, num estádio de futebol que às vezes aquece

Uma época de comunhão


É uma pena que nem todos os adeptos do Benfica possam visitar o Estádio da Luz na véspera do Natal. Esta segunda-feira havia uma atmosfera especial no ar. Começou logo pela manhã, diferente da que se sente no resto do ano, mas igual à de todos os outros dias. Quem lá esteve percebe. Sinceramente, até o consumismo desenfreado parece mais bonito quando as vítimas são sócios na loja do clube, entretidos a comprar coisas de que ninguém precisa realmente, mas que serão, provavelmente, os melhores presentes da época.


Vale a pena dizer que é mais do que isso. Não me apanharão num centro comercial a gabar as virtudes societais deste acontecimento anual que nos faz convergir nas últimas horas do dia 24 de dezembro em busca de presentes como se as nossas vidas dependessem disso. De resto, entrei há alguns anos numa fase da vida em que detesto a maioria dos ajuntamentos. Consigo apreciar pessoas, mas tem que ser em doses comedidas. Isso não invalida que haja uma exceção à regra, como o que se deu ontem no Estádio da Luz.

Um dia especial


Há poucas coincidências mais felizes do que jogar em casa no dia 23 de dezembro, com o estádio cheio e uma baliza escancarada para o primeiro lugar da liga, tudo isso à mesma hora em que o novo segundo classificado da liga despede o treinador que tinha acabado de lançar na alta roda do futebol europeu, assume o espetacular embaraço e vai ao mercado buscar outro treinador, para quem a tarefa não será mais fácil.


Rui Borges parece um treinador interessante e tem aquilo a que se chama, na gíria, um discurso positivo consubstanciado no jogo jogado das suas equipas. Mas, diz-nos a história da modalidade, é geralmente neste momento que a realidade comunica a um treinador do Sporting que tem outros planos para ele. Perdoem-me, mas dá-se o caso de não ter sportinguistas comigo à mesa no dia de Natal, o que faz com que esta página seja o meu ponto de encontro com a...

Festa em família


Vá, chega de falar do sofrimento dos outros. Este é um tempo de felicidade, comunhão, paz e batatinhas do Amdouni. Entre a cor dominante da época natalícia — o mesmo encarnado das camisolas do Benfica — e uma vitória sem grande discussão, matou-se um pequeno nada daquela fome de liderança que temos atravessada há demasiado tempo.


É uma liderança pífia, muito longe de poder ser dada por adquirida. Por enquanto, não serve para grande coisa, mas talvez incomode os adversários se a fizermos durar algum tempo. Quanto à fome, continua a ser mais que muita. Agora, que a liderança é merecida, não há como negar. São precisos dois para dançar o tango e, se é um facto que o Sporting desperdiçou a vantagem com a impetuosidade de um ataque do Gyökeres à área adversária, não é menos verdade que o Benfica soube ser a equipa mais regular durante esse mesmo período.

Exigência aos jogadores


O entusiasmo do momento, que às vezes sabe bem, não deve fazer-nos perder o contacto com a realidade. Serviria de pouco fingirmos que esta desvantagem pontual foi anulada a jogar o melhor futebol das nossas vidas, mas, às vezes, sabe bem ganhar e pronto.


Bruno Lage tem uma responsabilidade e um compromisso para com os benfiquistas, que é o de proporcionar, em conjunto com o plantel desta época — que, não sendo ideal em todos os aspetos, é o melhor da liga portuguesa —, um futebol mais entusiasmante do que temos visto. Mas tem um dever ainda mais importante, que é o de, na pior das hipóteses admissíveis, ir à sala de imprensa a cada quatro dias explicar que temos trabalho pela frente, mas que esses três pontos já ninguém os tira.

Oportunidade em Alvalade


Podia tentar convencer-me, nestes parágrafos, de que o jogo do dia 29 em Alvalade é a melhor oportunidade para fazer voltar o futebol dos primeiros jogos da era Lage, mas talvez seja pedir demasiado. Não deixo de ter essa esperança, mas vou apostar as fichas no segundo dever do treinador do Benfica: vir de lá com mais três pontos e quatro de vantagem sobre o atual segundo classificado.


Lage já mostrou gostar muito destes jogos grandes e saber prepará-los, inclusive nesta época, numa goleada ao FC Porto que desposicionou um dos nossos principais adversários. Se o souber fazer no próximo domingo, frente a um Sporting que deixará tudo em campo, terá boas condições para o que resta da época.

O Benfica como família


Agora sim, chega de falar da coisa mais importante das menos importantes. Esqueçamos o futebol, esse ópio das nossas sociedades, e falemos de família — essa que se junta no Natal e nos faz apreciar o valor fundamental desta época festiva.


Alguém conhece outra família no mundo, repito, no mundo, que tenha juntado sessenta mil quinhentos e setenta e dois membros numa noite fria de dezembro, num estádio de futebol que às vezes aquece, mas não é propriamente uma sala com lareira, e que por lá tenha ficado até ao fim da festa, em efusiva celebração, com outros 60.571 primos afastados que mais não são do que uma família incomparável que cada um de nós escolheu? Pode parecer uma frase feita, mas conhecem mais algum clube assim? A pergunta é meramente retórica. Se por acaso o encontrarem, escusam de me dizer. Não quero saber. Viva o Benfica, e Boas Festas a todos!

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