Separação de poderes e democracia no Benfica

  1. Separação entre a direção e o jogo jogado no Benfica
  2. Estreia promissora de Bruno Lage com foco no relvado
  3. Novo futebol ofensivo e divertido do Benfica
  4. Assembleia Geral do Benfica como momento de democracia
  5. Poder dos sócios em decisões do clube

Separação entre a direção e o jogo jogado


Existe um princípio de separação de poderes que, dadas as circunstâncias atuais, deve guiar o futebol do Benfica. «À direção e à estrutura o que é da direção e da estrutura, ao jogo jogado aquilo que é do jogo jogado», afirma o autor. Será difícil separar as águas ao longo de uma época que se avizinha muito difícil, mas é preciso tentar. O princípio da separação de poderes é recomendável e tende a trazer mais alegrias, «em especial quando o jogo jogado corresponde às expectativas».

Um treinador focado no relvado


As primeiras intervenções de Bruno Lage em conferências de imprensa, assim como o futebol da equipa, mostraram uma intenção de mudança, mas «originaram algumas tangentes de comentário ligado ao momento diretivo e institucional do Benfica». Não parece ter sido premeditado da sua parte, «mas antes resultado das provocações jornalísticas que procuram sacar notícias onde aparentemente não existiam». Felizmente, «alguns dias passam depressa» e Lage teve oportunidade de corrigir a rota discursiva para mostrar onde está o seu foco. As conferências mais recentes mostram «um treinador pouco ou nada interessado em discutir o que está para lá do relvado, e com fome de mais bola».

Um futebol ofensivo e divertido


O futebol ofensivo e divertido, «prometido aos adeptos desde o primeiro dia, continua a fazer-se notar e, mais importante do que isso, a ganhar consistência ao longo dos jogos». Qualquer equipa com vitórias consecutivas acredita mais nas sua capacidade para desbloquear o adversário seguinte, «e neste momento é isso que parece começar a acontecer, jogo a jogo, com o Benfica». Três partidas, três vitórias, e «um futebol muito mais positivo». Depois de «teimosia patológica de Roger Schmidt», parece «quase revolucionária a ideia de colocar jogadores na posição certa, ou a loucura de fazer substituições antes dos últimos 5 minutos do jogo». O regresso a «noções elementares do jogo» poderá não abrir novos mundos à modalidade, mas dá «um merecido descanso emocional a adeptos que precisavam de reconhecer sanidade e inteligência prática no principal treinador do seu clube».

Um período experimental promissor


Os sinais são ainda muito recentes, e «passaremos mais algum tempo em período experimental», mas é bom ver como as coisas mais básicas no futebol - «um onze bem escolhido, substituições com alguma lógica, jogadores que querem a bola do primeiro ao último minuto» - podem ser um acontecimento empolgante. Falta seguramente mais trabalho de Lage com este plantel, e muito mais testes à regularidade e longevidade das ideias e dos jogadores agora rejuvenescidos. Mas «uma coisa é certa: o primeiro impacto de Lage foi importante, não apenas porque era urgente fazer a equipa entrar nos eixos e começar a trazer os 3 pontos, mas pelo que vem depois».

Um calendário exigente à vista


O calendário que se avizinha, com nove jogos em cerca de 40 dias, que incluem jornadas cruciais na Champions e culminarão numa ida a Munique seguida de uma receção ao FC Porto, será muito exigente. Não houve nisto grande planeamento, como todos sabem, «mas foi afortunado que estas semanas tivessem permitido fazer uma nova pré-época perante adversários um pouco mais acessíveis». O autor tem «muito medo dos prognósticos, mas parece-me que os primeiros jogos permitam olear algumas dinâmicas da equipa». É bom que assim seja, «a poucos dias de enfrentarmos um Atlético Madrid, um jogo que será extremamente difícil». Em suma, «que este momento de novo ânimo permita à equipa continuar a crescer». Precisamos todos de assistir a «uma série de vitórias bem longa, capaz de impor o Benfica como o candidato e adversário temível que deve ser sempre».

A Assembleia Geral do Benfica


«Assistir a uma Assembleia Geral do Benfica é uma das experiências mais interessantes em que já tive oportunidade de participar». Se há muita gente que gosta de dizer que não compreende um desporto em que vinte e dois tipos correm atrás de uma bola, «mais dificuldade haverá em perceber a paixão dos milhares de sócios que se deslocam a uma Assembleia Geral do Benfica para investir um sábado das suas vidas na discussão de uma revisão estatutária». A melhor maneira de explicar o fenómeno a quem vê de fora é através da comparação: «Em vez de uns quantos membros privilegiados que decidem a constituição da república portuguesa, neste pavilhão em que se fez história, todas as vozes contam e podem alterar a constituição do Sport Lisboa e Benfica». A aprovação da proposta global constituiu «um momento importante».

Um dia de democracia no Benfica


A sessão da tarde, dedicada à discussão e votação de propostas de alteração na especialidade, «não começou bem, em grande medida porque não foi bem preparada». Mas, «sabendo que esta opinião não será muito consensual, deu gosto ver como, num certo frenesim instalado, mesmo perante a demissão do Presidente da Mesa da Assembleia Gral, órgãos sociais e sócios acabam por se entender e fizeram acontecer um dia inteiro dedicado ao aprofundamento da democracia no Benfica». Ao longo das horas seguintes, «quem quis falar pôde dizer o que pensava. Quem quis apresentar propostas, teve oportunidade de as defender. Quem era contra, pediu o microfone e teve-o». Falaram «sócios perfeitamente desconhecidos da comunicação social, mas conhecidos de quem vai às AGs». Falaram «os membros dos órgãos sociais, e foram ouvidos até ao fim. Não houve voz que não contasse».

O poder dos sócios


«No fim de cada discussão, em vez de uns quantos membros escolhidos a dedo, todos os que lá estavam puderam decidir se estavam de acordo. Em cada um desses momentos, ajudámos a definir aquilo que vai ser o futuro do Benfica. A responsabilidade foi assumida com orgulho.» Quando, daqui a alguns anos, um adepto vir um novo equipamento do Benfica ser apresentado, «talvez não venha a saber que foi o sócio Francisco Torgal, um entre os demais, sem nenhum privilégio que não os direitos conferidos pela sua quota de julho paga, quem defendeu apaixonadamente uma proposta para uniformizar e deliberar sobre as cores autorizadas no primeiro e segundo equipamentos; quem, de forma decisiva, ajudou a garantir que essa camisola só poderá ser encarnada ou branca, por respeito à história do clube».

Um momento a celebrar


«Ouvimos muitas vezes dizer que somos nós os donos do clube, mas é mais especial quando vemos isso ser efetivamente demonstrado. Senti muito orgulho em fazer parte deste momento na vida do Benfica.» Não é perfeito, e «no pico do ruído, quando a AG parecia destinada ao insucesso e algumas vozes pareciam contribuir para um final antecipado, senti algum embaraço com a confusão gerada, ainda que todos tenham mantido a civilidade». Mas «a essência deste momento de participação cidadã pode e deve mesmo ser celebrada». Há muito mais para mudar no Benfica, «mas, depois de dias como o de sábado, é legítimo afirmar que já não falta tudo».

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