A polémica em torno do pisão de Matheus Reis a Andrea Belotti na final da Taça de Portugal continua a incendiar o debate desportivo. Gonçalo Almeida, reputado advogado especializado em direito desportivo, lançou luz sobre as possíveis consequências legais do incidente, numa análise exclusiva ao Desporto ao Minuto.
As repercussões do lance estão a ser amplamente discutidas, desde a possibilidade, entretanto descartada, de repetição da final, até potenciais implicações criminais para o jogador do Sporting. A questão da violência no desporto e a necessidade de responsabilização ganham, assim, renovada urgência.
Repetição da Final: Uma Hipótese Remota
Inicialmente, a repetição da final da Taça de Portugal foi equacionada, mas Gonçalo Almeida esclarece: “O regulamento da Taça de Portugal, no seu artigo 23.º, que diz respeito a jogo anulado e mandado repetir por motivo de protesto, dita que pode ser anulado um jogo e mandar-se repetir o mesmo, isso é evidente. Mas para este processo, a participação teria de ser feita num prazo de 24 horas junto da Federação Portuguesa de Futebol, que é a entidade que organiza esta prova”.
O advogado explica que, após esse prazo, caberia ao Conselho de Justiça (CJ) da FPF decidir sobre o protesto. “De seguida, caberia ao Conselho de Justiça (CJ) da FPF de decidir em torno deste protesto, ou seja, seria necessário que o CJ julgasse esse protesto como procedente. Isto é algo que, na minha opinião, seria improvável, atendendo que não há uma certeza absoluta quanto à influência do erro de arbitragem em questão sobre o resultado final da partida”, acrescenta Almeida.
Almeida detalha ainda mais a sua análise: “Este erro de arbitragem, apesar de grosseiro, claro e inexplicável do ponto de vista do VAR e altamente provável de ter influenciado o resultado, não dá certezas absolutas que isso se verificaria. Neste caso, se a expulsão dos dois jogadores do Sporting - Matheus Reis e Maxi Araújo - poderia nem ter uma relação direta com o resultado final da partida, até porque já vimos, no passado, equipas com menos jogadores ganharem as partidas, pelo que tenho sérias dúvidas que o CJ julgasse o protesto como procedente”.
Esfera Disciplinar: Suspensão à Vista?
O foco da discussão rapidamente se deslocou para a esfera penal, com a possibilidade de Matheus Reis enfrentar acusações criminais. “Temos de distinguir, logo à partida, a responsabilidade disciplinar e a responsabilidade penal. No âmbito da responsabilidade disciplinar, estaremos perante ofensas corporais face a um colega, e aí, se tivesse resultado em injúrias físicas ou psicológicas, seria um castigo de dois a 12 jogos de suspensão. Não tendo resultado, como parece ser o caso, nesse tipo de danos, seria de um a oito jogos de castigo. As multas seriam insignificantes para os clubes, visto que seriam entre 500 e 1.000 euros”, detalha Gonçalo Almeida.
Implicações Penais: Crime de Ofensa à Integridade Física
O advogado aprofunda a análise sobre as potenciais implicações penais: “Já no que concerne à responsabilidade penal, de facto, estando perante um crime de ofensa à integridade física simples, que poderá significar ser uma pena de prisão até três anos, ou pena de multa, prevista no artigo 143.º do código penal. Caso esta fosse agravada, ou seja, se tivessem existido injúrias físicas ou psicológicas ao atleta em questão, ou se a conduta for especialmente sensorável ou preversa, conforme indica o artigo 144.º do código penal, estaríamos perante um crime público e poderíamos ter uma moldura penal com pena de prisão de dois a 10 anos”.
A Obrigação do Estado e a Necessidade de Punição
Almeida defende uma ação rigorosa face ao sucedido: “Acho que o Estado tem obrigação moral e legal de fazer aplicar a lei e esta é simples: quando existem agressões e ofensas à integridade físicas têm de ser punidas ao nível da responsabilidade penal. Se quisermos ser isentos e razoáveis, temos a perfeita noção de que não se tratou de um desequilíbrio, de forma alguma. Aliás, é ridícula essa argumentação. Quando um colega de profissão já está no chão, após já ter levado uma cotovelada, um murro e um pontapé do mesmo autor desse pisão, de forma deliberada e não por desequilíbrio, como é óbvio, o Estado tem de agir. Tem essa obrigação. Isto não pode ser admissível”, continua.
O Perigo da Impunidade e o Escalar da Violência
O especialista em direito desportivo alerta para o perigo da impunidade: “Não o fazer é contribuir para uma guerra e estas ameaças de morte feitas a Matheus Reis e à sua família. Isso é inadmissível. É um escalar da violência em que as entidades, nomeadamente os clubes, teriam a responsabilidade e bom senso, dando o exemplo, tentar evitar que este tipo de situações se voltem a repetir e não tentar justificar aquilo que é injustificável”, admitiu Gonçalo Almeida.
O Desporto Não Pode Ilibar Criminosos
Por fim, Almeida faz uma reflexão sobre a necessidade de responsabilização no desporto: “O que se passa num campo de futebol não pode ficar no campo de futebol... Não estamos em Las Vegas. Imagine-se que o jogador em vez de pisar a cabeça, mata o seu colega de profissão, ou seja, estaríamos perante um caso de homicídio qualificado, continuamos pávidos e serenos e dizer que foi num campo de futebol então não se passou nada? Como é óbvio, não é assim! O desporto não pode servir para ilibar criminosos da prática dos seus crimes. Uma pessoa que cometa um crime, independentemente do crime e do local onde se encontra, tem de ser julgado por isso”, concluiu.