O primeiro golo do SC Braga frente ao Sporting deixou dúvidas quanto à sua legalidade devido à forma como Gabri Martínez caiu sobre Franco Israel, impedindo-o de tentar eventual defesa. No entanto, Duarte Gomes, no seu espaço de opinião semanal 'O poder da palavra' em A BOLA, esclarece a questão do ponto de vista técnico.
A área de baliza não é zona de proteção privilegiada dos guarda-redes
Segundo Gomes, «é compreensível que a perceção seja a de que houve infração atacante, mas tecnicamente a questão não é bem assim». O especialista em arbitragem começa por recordar que «a área de baliza (vulgo pequena área) não é uma zona de proteção privilegiada dos guarda-redes. É verdade que eles não podem ser carregados quando têm a bola controlada, mas isso aplica-se em qualquer parte da área e não apenas ali».
Para haver infração de um jogador sobre outro, «é necessário que exista imprudência (falta de cuidado/atenção na abordagem ao lance), negligência (não medir o perigo para a integridade física do adversário) ou força excessiva (usar carga desproporcional que coloque em risco a integridade física do oponente)», explica Gomes. «Ou seja, é preciso que exista qualquer coisa de um sobre outro. Se um jogador colide/choca com o adversário por força de um movimento inevitável ou até acidental, não há infração, mesmo que a consequência seja infeliz, como tantas vezes é.»
O que realmente aconteceu na jogada
No caso em questão, Gomes afirma que «o que se viu foi que Gabri Martínez e Quenda tentaram chegar à bola e, na disputa, o jovem jogador do Sporting tocou no pé do espanhol, desequilibrando-o. Foi precisamente esse desequilíbrio que o levou a cair sobre o guarda-redes adversário. As imagens foram claras e qualquer análise atenta consegue perceber isso.»
Portanto, «o jogador do SC Braga jamais poderia ser sancionado, porque não fez nada acima ou a mais do que poderia ter feito. Não foi imprudente, negligente ou excessivo. Em boa verdade, não realizou qualquer ação desnecessária nessa jogada. A queda e posterior contacto foram uma inevitabilidade do momento anterior.»
Separar o acidental do imprudente
Gomes reconhece que «o facto do guarda-redes do Sporting ter ficado privado de tentar a defesa foi uma consequência infeliz de jogada inadvertida. É frustrante para quem se sente privado de reagir, obviamente, mas as leis de jogo não punem jogadores que não incorram naquelas três prerrogativas e Gabri não incorreu.»
O especialista em arbitragem alerta que «esta linha — a que separa contacto acidental/inevitável de contacto imprudente/negligente — pode ser muito ténue até para nós, comentadores de arbitragem, que temos a incumbência de analisar lances de futebol. Há de facto ações no limite, em que não fica claro se determinado contacto foi resultado de ação de jogo ou de uma falta de atenção/descuido/precipitação de quem o promoveu. É quase como se tivéssemos que mergulhar num processo de intenções para avaliar o que aconteceu.»
Conclusão
No entanto, Gomes considera que «há também situações que permitem perceber de imediato qual a decisão certa. Por exemplo, quando um jogador sabe que vai disputar a bola com outro, está desde logo obrigado a ser prudente. Regra geral os contactos resultantes dessas divididas têm forte possibilidade de serem considerados faltosos (se um jogador impedir o outro de atuar). Já num remate à baliza em que alguém surge do nada para a interceção, o contacto promovido por quem remata pode ser acidental, porque nem percebeu que o adversário ia tentar a disputa.»
O especialista conclui que «este não é um tema pacífico, mas conhecer as regras e o espírito que lhes está subjacente pode ajudar a dissipar dúvidas para quem tenta analisar este tipo de lances sem grande proximidade ao coração.»