Génese de um talento
Ricardo Velho tem sido um dos nomes mais sonantes do futebol português nos últimos meses. O guardião de 26 anos, considerado o melhor da Liga Portuguesa em 2023/24, já deu provas da sua qualidade em jogos decisivos contra os grandes do campeonato. A sua exibição monumental frente ao FC Porto no passado fim de semana, tal como os brilhantes desempenhos diante do Benfica e Sporting na época transata, deixaram os adeptos ansiosos por conhecer melhor a sua história.
Nesta viagem às origens de Ricardo Velho, o zerozero conversou com Mário Augusto, o seu pai, bem como com José Carvalho Araújo, ex-treinador, e Rafael Defendi, antigo colega nos Leões de Faro.
Uma paixão nascida por acaso
«Sabe, o Ricardo, quando era pequeno, não gostava de futebol. Uma vez fomos os cinco ver uma Supertaça, a Leiria. A mãe ficava no carro e nós íamos ao jogo. O Ricardo pediu para o levar à mãe ao intervalo porque não gostava de ver o jogo (risos)», revelou Mário Augusto, pai de Ricardo. No entanto, a paixão pela baliza acabaria por nascer por influência do irmão mais velho, que era guarda-redes, e de Mário, que também jogava na posição nos torneios de futsal.
O caminho até ao topo
Ricardo Velho começou a sua formação na EF Fernando Pires, juntamente com os seus dois irmãos. Seguiram-se aventuras em clubes como Vitória SC, FC Porto, Salgueiros e Trofense, sempre com o apoio incondicional do pai. «Deixava o Ricardo no Olival e vinha para o Salgueiros com o João. Via o treino, porque no Porto não deixavam e ia buscar o Ricardo. Nas horas vagas ia buscar frangos para eles comerem no caminho para casa e depois estudarem. O carro era o escritório deles», contou Mário.
Apesar das dificuldades, Mário fez de tudo pelos seus filhos, chegando inclusive a levá-los de mota para os treinos na Trofa. «Para a Trofa, até chegava a levar os dois miúdos de mota. Passávamos uma ponte que só dava para passar a pé e de bicicleta, para fugir ao trânsito em hora de ponta. Era uma borga!», recordou.
A luta pela afirmação
Nos nove anos de SC Braga, Ricardo Velho nem sempre encontrou o apoio que desejava. «Já era um jovem adulto, um homem, aliás. Sempre teve uma grande maturidade e uma grande capacidade de trabalho, algo que é inerente à maior parte dos miúdos que têm sucesso. Não teve um percurso fácil no Braga, muito pela sua altura. Como não tinha 1,90m, foi ultrapassado por outros que tinham mais estampa mas não eram tão bons, principalmente quando chegou à equipa B», explicou José Carvalho Araújo, ex-treinador.
A falta de oportunidades em Braga acabou por levar Ricardo Velho para Faro, um passo que o seu antigo treinador classifica como «corajoso»: «Faltou a oportunidade em Braga, mas ele mostrou o seu carácter e a vontade de querer assumir. Estava na Academia do Braga, num contexto que lhe era muito favorável e decidiu sair da zona de conforto. É de valorizar essa coragem.»
A afirmação em Faro
Quando chegou ao Farense, aos 22 anos, Ricardo Velho encontrou um balneário com muito experiente em termos de guarda-redes. Rafael Defendi, seu colega de equipa, recorda esse período: «Sempre foi muito bom, mas ainda não tinha ritmo de jogo para assumir. Se estivéssemos a meio da tabela era diferente, mas estávamos com a corda no pescoço. Podia ser a morte dele. Ele estava preparado, mas mentalmente podia afetá-lo».
Na época seguinte, na II Liga, as coisas mudaram. «Eu comecei a época a jogar e quando ele entrou tentei ajudá-lo de todas as formas, da mesma forma que ele me ajudou quando eu voltei. Tínhamos um afeto e um carinho grande um pelo outro, algo que atualmente é difícil, e foi bom para os dois. Conseguimos exigir muito um do outro nos treinos, era sempre muito intenso», revelou Defendi.
O brilho atual
Depois de uma época transata de enorme nível, a presente temporada não começou da melhor forma para o Farense. No entanto, isso não impediu Ricardo Velho de continuar a brilhar em campo. «Vi o Velho de perto durante três anos e a evolução foi gigante, principalmente em termos técnicos e mentais. A parte mental acho que é o que mais distingue um bom guarda-redes. Tem frieza e concentração de topo, vai atingir grandes voos e jogar em grandes clubes de certeza», elogiou Defendi.
A chamada à seleção
Os entrevistados consideram que a eventual convocatória de Ricardo Velho para a seleção nacional já peca por tardia. «A seleção? Era maravilhoso... Até fico emocionado a pensar nisso, é um desejo e o fruto do trabalho dele. Tentava sempre dar o melhor, apesar das dificuldades», expressou o pai, Mário Augusto. Já Defendi acredita que a chamada acontecerá nos próximos dois anos, afirmando que «Pelo menos nos próximos dois anos».
Rumo a novos desafios
Depois de uma temporada de enorme destaque, resta saber qual será o próximo passo na carreira de Ricardo Velho. Segundo José Carvalho Araújo, «Com 26 anos, acho sempre que é importante jogar. A vertente financeira é importante, mas ele tem qualidade para ser mais do que suplente. Falou-se do Benfica, mas acho que foi melhor para ele ficar e sair para um sítio onde tenha mais hipóteses de jogar».
Uma história de superação
Das improvisações nos jantares durante as viagens de carro aos treinos, à mota partilhada pelo pai e pelos três irmãos, a história de Ricardo Velho é claramente uma narrativa de superação e afirmação. Velho, um nome próprio para as grandes balizas do futebol português.