Há 25 anos que as águias não tinham um 9 português! Falámos com o último «O número pesa». Rui Águas usou a camisola durante muitos anos no Benfica e sabe do que fala. Foram 105 golos apontados pelas águias numa era em que usar qualquer número de 1 a 11 se traduzia na titularidade e não numa escolha individual. O 11 assistia, o 10 fazia jogar, o 9 marcava. Ou pelo menos tinha essa obrigação.
Gonçalo Ramos ainda nem era nascido quando foi introduzida a regra da numeração fixa em Portugal (1995/1996), mas a decisão de abandonar o 88 e agarrar o dorsal que estava vago desde a saída de Yaremchuk (foi inscrito na época passada, mas transferido ainda em agosto para o Club Brugge) faz recuar a tempos idos.
Há 25 anos que um português não usava o número dos goleadores no Benfica. E o último a vesti-lo nem era um ponta de lança. «Por isso não senti pressão», recorda Nandinho a A BOLA, o único luso, aliás, a vestir o 9 desde a criação da regra, há 28 anos. Até agora.
«Acho que é uma forma de dizer que pretende continuar, pelo menos mais uma época», afirma o antigo jogador das águias, embora com passagem curta - esteve apenas meio ano e foi cedido ao Alverca. «Caso contrário, ou seja, se soubesse que ia sair ou se quisesse sair, esta decisão não faria sentido.»
«Penso que esta escolha pode representar um sinal de que quer ficar», considera, por sua vez, Rui Águas, mantendo a convicção de que esta não é apenas uma questão simbólica: «Historicamente o n.º 9, tal como o n.º 10, foram de gente que decide e quem os usava eram sempre jogadores especiais.»
«É uma forma de mostrar estatuto», insiste Nandinho, hoje treinador, de 50 anos. «Claro que o mercado está sempre aberto e ele tem muitos interessados, mas acredito que Gonçalo Ramos vai tentar fazer uma temporada ainda melhor e mostrar o que vale a quem ainda possa ter dúvidas», diz.
«Pensa de maneira diferente»
Rui Águas admite que Gonçalo Ramos também seja um jogador que «pense de maneira diferente». É mais comum assistir-se à mudança quando as coisas não correm bem. «Não foi o caso dele, porque a época passada foi muito positiva. O número 9 é um clássico, tem a ver com golos, e ele está a mostrar que tem muita confiança», descreve o antigo internacional português, hoje com 63 anos.
Ramos nunca teve oportunidade de usar o 9 desde que subiu a sénior. O 88 já vem do tempo da equipa B e de uma inscrição única na Liga (equipa principal e secundária), ainda assim quando foi utilizado na Youth League fez questão de envergar o dígito destinado ao ponta de lança. Chegou a hora. Pela primeira vez no século XXI, o 9 é made in Portugal.
«Eu queria o 13 mas já estava ocupado»
A regra da numeração fixa nos plantéis entrou em vigor na época 1995/1996 (a mesma onde a vitória passou a valer três pontos em Portugal) e até agora só um português tinha sido o eleito para vestir a camisola 9 do Benfica: Nandinho, contratado em 1998 ao Salgueiros. «Eu queria o 13, com o qual jogava no Salgueiros, mas já estava ocupado pelo Ronaldo [central brasileiro]. Os números disponíveis eram demasiado altos e então acabei por escolher o 9, que estava disponível», recorda o antigo avançado. «Mas é isso: eu jogava na frente, mas não era ponta de lança por isso é que não senti qualquer pressão. Esse é um número para os goleadores, não era para mim.» Nas 27 temporadas anteriores a camisola 9 assentou sempre em cima de estrangeiros e poucos foram, na realidade, verdadeiros goleadores. À exceção de Darwin Núñez e Van Hooijdonk, este dígito nunca teve a força de outras eras. Aí está um novo desafio para o pistoleiro nascido no Algarve e formado no Seixal.